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O cinema em revista

O Globo, Segundo Caderno, por Ely Azeredo, em 27/04/2010

Ely Azeredo

“Filme Cultura” (1966-1988), que circulou com 48 números, ainda é a mais importante e, sem dúvida, a mais completa revista cultural de Cinema do Brasil. Digo que “é ainda” porque a maior parte de seu conteúdo tem interesse permanente.

Porque suas coleções não se perderam; porque abordou todo o universo da arte e da indústria; e porque me parece impossível estudar com abrangência o cinema brasileiro sem retorno às suas páginas.

A clássica “Cinearte”, que começou nos anos 1920, tendo como figura de proa o pioneiro Adhemar Gonzaga, deu amplos espaços à produção nacional.

Mas, para sobreviver, adotou um perfil próximo ao do padrão hollywoodiano de fan mags. A revista “Filme”, de 1949 (apenas dois números), criou um padrão informativo e ensaístico excelente. Surpreendentemente, embora fosse realizada por nacionalistas insuspeitos, como Vinicius de Moraes e Alex Viany, dedicou poucas linhas ao cinema da terra.

“Filme Cultura” surgiu por ideia do crítico e líder da classe cinematográfica paulista Flávio Tambellini (pai do cineasta Flávio R. Tambellini), quando dirigiu o Geicine (Grupo de Estudos da Indústria Cinematográfica), e, além de recursos desse órgão, contou com apoio do então Ministério da Educação e Cultura. Eu criei o projeto da revista – que se chamou “Filme & Cultura” na edição inaugural.

Exceto durante um pequeno interregno, fui o editor, em parceria com o crítico Carlos Fonseca, até 1974.

Partimos da convicção de que é impossível desenvolver e enriquecer um cinema nacional sem oferecer uma visão universal. Por exemplo: na Itália do pré-guerra, a revista “Cinema” teve em seus quadros o teórico e cineasta Luigi Chiarini (“o filme é uma arte; o cinema, uma indústria”), e críticos exigentes como Antonioni.

Sem este periódico, o neo-realismo italiano não seria tão rico.

Na França, a Nouvelle Vague fez sua revolução tendo como QG os “Cahiers du Cinéma”, mensário nascido especialmente sob o impulso do crítico full-time André Bazin.

Inovadores do cinema brasileiro a partir dos anos 1950, como Luis Sérgio Person e Walter Hugo Khouri, não teriam sucesso de público sem o trabalho empreendido pelas colunas de crítica. E o movimento Cinema Novo não seria o mesmo sem leituras sobre o neorealismo e a Nouvelle Vague.

O primeiro número de “FC”, feito com poucos recursos, foi rico em ensaios e veiculou pela primeira vez no Brasil o teórico Siegfried Kracauer (“O espectador”).

A partir do número 2 (com capas inspiradas no design dos “Cahiers”) “Filme Cultura” se modernizou. Foi enriquecida com uma série de dossiês – sobre Fellini, Hitchcock, Kazan e outros. Criou uma “Enciclopédia” serializada de cineastas.

E Paulo Perdigão, autor de livro sobre “Shane”, trouxe dos EUA uma rica entrevista com George Stevens.

“FC” abordou praticamente tudo: dos filmes científicos ao complexo tema do “duplo” (personalidades divididas); de pesquisas sobre desconhecidos ciclos regionais brasileiros até o western; do mercado de capitais aos dilemas da exibição.

Entre os pontos altos da primeira fase: a revelação do desconhecido pioneiro José Medina; e estudos sobre lendas (então) vivas, como Gonzaga, o decano da crítica Pedro Lima e o mestre Humberto Mauro.

Ely Azeredo é crítico de cinema e autor do livro ”Olhar crítico: 50 anos de cinema brasileiro”

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