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Museu de tudo

Valor Econômico, caderno Cultura, por Paola de Moura, em 23/04/2010

Turismo cultural: Rio ganhará aquário, espaços para arte, ciência e tecnologia e nova sede do MIS; recursos milionários sairão dos cofres públicos e de particulares.

Por Paola de Moura, do Rio

O Rio tem hoje 119 museus de vários portes. Em quatro anos vai ganhar mais quatro grandes e uma nova sede para o Museu da Imagem e do Som (MIS). O investimento dos cofres públicos em novos equipamentos vai ultrapassar os R$ 200 milhões. A cidade e o Estado apostam que a chegada dos novos equipamentos vai pôr o Rio na rota de turismo cultural mundial e também fazer que o turista que já vem conhecer as maravilhas naturais do Rio aumente seu período de estada.

De fato, isso provavelmente ocorrerá, acreditam especialistas. No entanto, eles também reclamam da falta de verbas para os museus já existentes, que vivem com poucos recursos e em busca de patrocínio de empresas para conseguir fechar o orçamento.

Foram quase 45 anos sem um grande investimento desse tipo. Lucia Basto, gerente-geral de Patrimônio da Fundação Roberto Marinho, responsável pelo planejamento de três desses museus o MIS, o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio -, explica que os atuais equipamentos da cidade não atraem grandes levas de turistas permanentemente, a não ser quando fazem grandes exposições. Rodin, Vicky Muniz e El Greco levaram hordas a seus salões com filas de horas nas entradas.

Os novos museus têm a intenção de ser também atrações turísticas por si só. O Museu do Amanhã, por exemplo, ficará no píer Mauá, debruçado sobre a Baía de Guanabara, e terá projeto arquitetônico do espanhol Santiago Calatrava. O MIS ficará em plena praia de Copacabana com um cinema a céu aberto. O projeto arquitetônico do museu foi decidido por um concurso internacional do qual participaram sete escritórios brasileiros e internacionais. Venceram os americanos Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio.

Lucia lembra o sucesso dos novos museus de São Paulo, o do Futebol e o da Língua Portuguesa. Desde a abertura do Museu do Futebol, em outubro de 2008, a média de visitação até fevereiro foi de 786 pessoas por dia. Esse museu, aliás, era um projeto do Rio. Seria feito no Maracanã em 2000. No entanto, a falta de apoio do governo do Estado, na época, fez que ele fosse levado ao Pacaembu.

Menina dos olhos da Prefeitura do Rio, a Zona Portuária ganhará de presente dois museus, além do AquaRio, um empreendimento privado. Os equipamentos serão instalados na região para ajudar na revitalização da região.

O Museu de Arte do Rio – Pinacoteca Escola do Olhar será instalado no Palacete Dom João VI e em um edifício anexo, na praça Mauá. Construído para abrigar escritórios de órgãos públicos e companhias ligadas ao setor marítimo, o palacete foi construído em 1912 e tombado em 2000. A ideia do MAR é abrigar grandes coleções familiares particulares que hoje não têm onde ser exibidas.

O projeto inicial, explica Lucia Basto, era fazer uma pinacoteca, um centro de exposições. “O projeto foi evoluindo e agora se tornará um centro de percepção do olhar”, conta a gerente da Fundação Roberto Marinho. Ela explica que o objetivo é valorizar a alfabetização visual do visitante. Unindo o prédio ao anexo, serão 8.500 metros quadrados com arte brasileira. Um dos edifícios será de exposições e o outro de escola, com uma estrutura pedagógica. “Mas a ideia é de conexão. Um prédio conversa com o outro e as aulas terão conexão com as exposições.”

Lucia observa que o museu não pode ser um lugar chato: “Tem que surpreender, criar uma sensação mais intensa para envolver o grande público”.

Esse é o objetivo do Museu do Amanhã: discutir questões críticas da sobrevivência da humanidade de uma forma envolvente e emotiva. “Queremos estimular a reflexão do homem no planeta. Não queremos amedrontar, mas conscientizar, com uma mensagem otimista e mobilizadora”, afirma Lucia. O museu será um fórum permanente de discussão de clima e de biodiversidade. Seu PROJETO arquitetônico ainda não foi revelado e deve ser entregue pelo arquiteto Calatrava em dezembro. Mais complexo que os outros por tratar, em parte, de temas subjetivos ou de previsões do futuro, tem um PROJETO ainda em evolução.

O novo MIS também tem o objetivo de pôr à disposição da população um acervo que praticamente fica escondido. “O MIS foi o primeiro museu da Guanabara e o primeiro desse modelo no mundo. A ideia do então governador Carlos Lacerda, em 1965, foi criar um museu que fosse a identidade do Rio, que tivesse o Rio como palco. Ele registra a criação artística, o momento atual”, conta Hugo Suckman, curador do museu. “Hoje o MIS é apenas um centro de documentação. Seus funcionários foram heróis nestes 45 anos porque continuaram, apesar das adversidades, armazenando os depoimentos, os documentos e os registros.”

O novo prédio será mais moderno. “Só com a tecnologia atual será possível transformá-lo no que a Unesco chama de “museu total”, que tem acervo, pesquisa e visitação pública”, afirma Suckman. O objetivo também é dar ao Rio outro ícone arquitetônico contemporâneo do século XXI. “A cidade tem construções que representam todas as épocas, mas não tem contemporâneas”, comenta.

São 34 meses de obras, num projeto que vai custar ao Estado do Rio R$ 70 milhões, dos quais R$ 18 milhões foram pagos para indenizar o dono do terreno, onde estava a boate Help. Já o MAR custará menos, R$ 45 milhões bancados pela prefeitura. O projeto do Museu do Amanhã não tem orçamento fechado, já que o PROJETO ainda não foi entregue e as obras devem terminar em setembro de 2012. O orçamento inicial é de R$ 65 milhões. Lucia Basto acredita, porém, que o projeto passará desse orçamento inicial.

São esses custos aqueles criticados por especialistas e defensores de mais verbas para os museus atuais. “Se a prefeitura me desse um ou dois milhões desses, eu faria um trabalho espetacular aqui no MAM”, brinca Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand, presidente do Museu de Arte Moderna, o MAM. Com orçamento de R$ 3,2 milhões anuais, Chateubriand consegue fazer até cinco exposições por ano, aumentar o acervo, que hoje conta com 15 mil obras, e ainda manter o museu. “Mesmo assim, com o Mosteiro de São Bento, somos os únicos pontos turísticos do Rio que receberam três estrelas do recém-lançado “Guia Michelin” da cidade”, conta, orgulhoso.

Chateaubriand lembra que, até o governo César Maia, o orçamento do município destinava R$ 370 mil por ao ano ao museu. Mas, agora, só destina R$ 1,00. Para se virar, utiliza parcerias com a iniciativa privada que, em razão da Lei Rouanet, destina recursos aos museus ou a exposições específicas. “Cada museu tem seu atrativo. É bom para a cidade, para a população e até para a economia. Mas o que não pode é, no futuro, todos ficarem disputando doações. A Lei Rouanet deveria ser aperfeiçoada e obrigar as empresas a destinar parte desses recursos a quem realmente preserva a arte, quem tem acervo”, defende o presidente do MAM.

João Satamini, guardião do acervo de sua família, que hoje está no MAC, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, também critica a criação de novos museus sem que haja recursos públicos. Para ele, é dever do Estado financiar a cultura. “O MAM é um patrimônio da cidade, do país. É um erro não o ajudarem. Ele tem a maior coleção de arte moderna do país”, afirma. “É um absurdo construírem um museu que pode custar até US$ 50 milhões.”

Luiz Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, colecionador e também diretor do MAM, onde trabalha sem receber nenhuma remuneração, diz que o Estado e a prefeitura deveriam primeiro organizar e valorizar os museus já existentes. “Na medida em que sobrasse dinheiro, poderiam ampliar a rede. Custa muito mais barato você melhorar o Museu Nacional de Belas-Artes, a Biblioteca Nacional , por exemplo, do que sair criando museu. “A Prefeitura do Rio tem que dar atenção especial à cultura. O Rio é a capital cultural do país.” Schymura teme que a entrada de novos museus acabe, no futuro, em outras administrações, provocando uma guerra por verba. “Hoje há dois, três brigando por migalhas, imagina quando isso crescer.”

José Nascimento, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão do Ministério da Cultura, concorda. “Nós precisamos de mais equipamentos culturais. No entanto, as prefeituras devem se preocupar com a sustentabilidade desses museus. Não podem ficar criando a torto e a direito, sem planejamento para o futuro”, alerta. Segundo Nascimento, o ministério está em fase de criação de um fundo setorial para museus com um acervo de importância nacional. Quando o fundo estiver ativo, ele receberá recursos do pré-sal. Então, os museus terão que se candidatar e provar que os artistas em seu acervo têm tal relevância. “Se não tiver, será a prefeitura ou o Estado que terá que sustentá-lo”, explica. “Em todos os lugares do mundo é assim. Os museus de Barcelona são sustentados pela Catalunha, por exemplo.”

Poucos dias antes de deixar o cargo de secretária de Cultura do Rio, Jandira Feghali disse que a cidade está em fase de formatação de um Sistema Municipal de Museus, para fazer articulação integrada e buscar apoio conjunto para todos os museus da cidade. “A ideia é somar forças, ao invés de dividir. O que é de nosso custeio será pago pela prefeitura”, informou na ocasião. Questionada sobre os novos museus, a secretária explicou que a Fundação Roberto Marinho desenvolve um modelo de gestão que os tornará autossustentáveis, mas se fosse necessário o orçamento da Cultura seria aumentado. Resta saber se seus sucessores pensarão assim também.

A secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, concorda e diz que os resultados dos Museus do Futebol e da Língua Portuguesa, em São Paulo, mostram que há demanda para esse tipo de investimento. “O desafio é fazer o turista ficar mais tempo por aqui. Vamos qualificar o Estado e a cidade.” Adriana lembra que a cidade também receberá outro grande equipamento cultural, a Cidade da Música, que contará com centro cultural, livrarias e escola de música. Em decreto publicado em 24 de março, o prefeito Eduardo Paes remanejou R$ 50 milhões do orçamento para as empreiteiras responsáveis pelo projeto para que as obras sejam terminadas.

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