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O Brasil segundo a lente da negritude

O Globo – RJ, Da Redação, 18/12/2006
Lá se vão uns 20 anos desde que Waldyr Onofre, um dos raros cineastas negros nacionais, realizador de um único (mas bem-sucedido) longa-metragem, ‘As aventuras amorosas de um padeiro’ (1975), começou a batalhar seu segundo filme: ‘A noite do alô’. Primeiro negro a protagonizar uma telenovela – ‘Vidas em conflito’, na Excelsior, em 1969 – Zózimo Bulbul também já vem, há tempos, militando no projeto ‘O cantor das multidões’, sobre Orlando Silva.

Já o ator Antônio Pitanga, ícone quando o assunto é negritude, vem, timidamente, levantando meios para filmar a trama de época ‘Malês’. Talvez o lançamento do pacote de DVDs Obras Raras do Cinema Negro na Década de 70, hoje, às 19h30, no cine Odeon BR, não renda a eles dividendos para facilitar seus planos de filmagem.

Mas a edição em formato digital de ‘As aventuras…’, de ‘Na boca do mundo’ (o único longa dirigido por Pitanga) e de ‘Compasso de espera’, em que o diretor teatral Antunes Filho confiou a Bulbul o papel central, resguarda do esquecimento raras reflexões audiovisuais sobre o preconceito.

Média-metragem de Bulbul integra o disco

Com apoio da Fundação Cultural Palmares e do Ministério da Cultura, o pacote inclui ‘A deusa negra’ – que o nigeriano Ola Balogun filmou com negros brasileiros -, ‘Vida nova por acaso’ – episódio do longa ‘Um é pouco… dois é bom’, de Odilon Lopez -, e o documentário em média-metragem ‘Referências’, trabalho mais recente de Bulbul na direção.

- O filme é uma homenagem a cineastas que, nos anos 60, em pleno período de ditadura militar, apostaram em negros como protagonistas de seus filmes. Entrevistei para esse trabalho nomes como Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Roberto Farias. Acabo prestando uma homenagem também a Glauber Rocha ao relembrar ‘Barravento’ – diz Bulbul, que em 2005 teve seus curtas (entre eles o consagrado ‘A alma no olho’) reunidos em um DVD, junto com seu longa ‘Abolição’, de 1988.

Astro recorrente na cinematografia social brasileira, Bulbul causou polêmica com ‘Compasso de espera’ (1973), a cereja do bolo digital que chega hoje às lojas de DVD. Concebida por Antunes Filho em 1969, a partir de depoimentos e artigos do sociólogo Florestan Fernandes, com foco na discriminação, a produção abordava a ascensão profissional de um negro (Bulbul, dublado por Roberto Maia) e seu amor com uma branca.

- Antunes atacou o racismo sem escamotear. É um filme que escancara a questão racial sem mostrar negro na favela dando tiro. Com isso, era evidente que o filme teria problemas na Censura – lembra Bulbul. – Nos anos 60 e 70, o inimigo de quem fazia arte no Brasil era a farda. Hoje, a farda virou civil, e a televisão tratou de emburrecer o brasileiro.

Mas, naquela época, fizemos barulho.

Originado de uma idéia de Cacá Diegues, surgida na filmagem de seu longa de estréia, ‘Ganga Zumba’ (1964), o drama ‘Na boca do mundo’ (1978) é, entre os cinco longas do pacote de DVDs, um dos mais consagrados pela crítica estrangeira.

Padeiro de Onofre fez filas em salas do subúrbio

Ocupado agora em arrumar fundos para filmar ‘Malês’ – história de um massacre negro ocorrido no século XIX – Pitanga conta com orgulho dos elogios que teve na página de crítica do ‘Le Monde’ com sua história sobre um pescador que quer deixar sua aldeia e que atrai uma branca misteriosa (Norma Benghell).

- Meu filme foi um dos poucos da época a ressarcir o que tomou de investimento da Embrafilme.

Ele foi importante como afirmação de meu projeto de cinema. Na ocasião, pensei: ‘Não sou um movimento negro.

Sou um negro e movimento. Tenho de filmar’. Mas, depois dele, foi difícil arranjar recursos. Agora, o cinema vive uma situação interessante de produção. Por isso, até 2008, quero estar filmando ‘Malês’ – diz Pitanga.

Também ator, Waldyr Onofre viu ‘As aventuras amorosas de um padeiro’ lotar cinemas no subúrbio. Mas o passado não lhe facilita a vida atualmente.

- Como falava da cultura suburbana, meu filme estourou nas zonas populares. Mas estou há 20 anos tentando filmar de novo e está difícil.

Amanhã, às 12h, o Odeon exibe ‘Compasso de espera’.

Na quarta-feira, ‘A deusa negra’, no mesmo horário.

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