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Oiticica no lugar certo

Correio Braziliense - DF, 21/12/2010

Oiticica no lugar certo

Museu da República recebe a maior exposição do revolucionário artista plástico que inspirou a Tropicália

» Nahima Maciel

Interação: os penetráveis estão entre as estruturas artísticas criadas por Hélio Oiticica

O diálogo entre Hélio Oiticica e o Museu Nacional da República parece sempre ter existido. As dimensões monumentais do prédio de Oscar Niemeyer e as enormes projeções dos penetráveis do artista são, aparentemente, feitos um para ou outro. Por isso a sensação de estar tudo acomodado no devido lugar quando se circula por Hélio Oiticica – Museu é o mundo, exposição em cartaz a partir de hoje no museu brasiliense. Acontece que as obras de Hélio nunca foram expostas na cidade em tamanha quantidade. Também nunca haviam sido reunidas em retrospectiva de tal abrangência, o que faz da mostra programa obrigatório para o encerramento do ano.

Museu é o mundo é a maior exposição sobre Hélio Oiticica já realizada no Brasil  e a primeira de tal porte a visitar a capital. Com patrocínio do Ministério da Cultura e organizada pelo Projeto Hélio Oiticica, reúne obras de toda a trajetória do artista e traça percurso claro e compreensivo das questões que o pautavam. Graças às dimensões do Museu Nacional foi possível construir, inclusive, os penetráveis. “Muita gente reclama desse espaço, mas acho incrível como existe um diálogo com a obra do Hélio. Claro, se as obras são pequenas, elas somem nesse museu. Mas não é o caso dessa mostra”, diz César Oiticica Filho, sobrinho do artista e um dos curadores da exposição.

Fernando Cocchiarale, também curador, encara o diálogo entre Oiticica e Brasília como um encontro adiado. “Há uma afinidade de espírito na construção dos penetráveis com as curvas ainda recentes que expressam uma visão de mundo formada no modernismo do Niemeyer”, acredita. A obra de Hélio Oiticica ganha dimensão no final dos anos 1950, quando começa a investir na interação com o público. O artista deixa para trás uma pintura monocromática para investigar as possibilidades interativas de objetos e estruturas que identifica como penetráveis, construídas a partir de materiais precários como os usados em favelas e assentamentos. “É um Brasil não por ilustração, mas por método de produção e construção da obra de arte. O método é tão precário quanto o das favelas. É um Brasil visto não pelo conteúdo, mas pela forma”, reflete Cocchiarale.

Sinuca

Museu é o mundo não está restrito à cúpula do Museu da República. Além de ocupar a área externa do Complexo Cultural, estende-se ainda pela Funarte, Casa da Cultura da América Latina (CAL) e Rodoviária, que recebe uma mesa de sinuca disponível na qual os frequentadores poderão jogar à vontade. Na Funarte está o penetrável Invenção da luz, concebido especialmente para Brasília e na CAL ficou o Gal penetrável, projetado em 1969 para um show de Gal Costa. No Museu da República, além de penetráveis, parangolés, bólides, metaesquemas e núcleos – que formam o repertório básico de objetos-ideias desenvolvidos por Oiticica (veja abaixo) – estarão também filmes como a Cosmococa 1 – Trash scapes e um documentário de Alan Cardozo sobre o artista. “Muitas obras são para aguçar os sentidos”, avisa Wagner Barja, diretor do museu. “A exposição convida as pessoas a se libertarem de conceitos prévios sobre arte através de experiências sensoriais, mas não é um playcenter”, continua Fernando Cocchiarale. “A dica é: dispa-se de preconceitos e se entregue como se entrega a uma pessoa.”

PARA SABER MAIS

Arquivo pessoal

Interatividade e sensações

Um dos fundadores do movimento neoconcreto, Hélio Oiticica criou uma obra baseada na interatividade e na tentativa de proporcionar ao público experiências sensoriais. O diálogo com o espaço urbano, com o museu e com a própria sociedade foram fundamentais na trajetória do artista. Nascido no Rio de Janeiro e morto em 1980 aos 43 anos, Oiticica deu os primeiros passos no Grupo Frente, antes de se engajar no movimento neoconcreto ao lado de Lygia Clark. A liberdade de criação e a participação do público norteavam o movimento. A relação de Oiticica com a cultura brasileira também era intensa. Certa vez, depois de assistir amigos da Mangueira serem impedidos de entrar no Museu de Arte do Rio de Janeiro, vestiu todos com parangolés para realizar um protesto. Também foi o penetrável Tropicália e as ideias artísticas de Oiticica, que fazia questão de dialogar com a cultura brasileira, a inspiração para o movimento tropicalista.

PARA ENTENDER O ARTISTA

Metaesquema

São as pinturas em que Hélio Oiticica começa a delinear suas intenções artísticas. Antes de investir nessas pinturas de figuras geométricas aparentemente quebradas ao meio e de cores intensas, o artista integrou o grupo Frente, reduto dos construtivistas brasileiros. Com os Metaesquemas, Oiticica passa a apontar novos rumos para a arte brasileira. “É quando ele começa um caminho pessoal e passa a soltar a cor no espaço”, explica César Oiticica Filho. Na parede dedicada aos trabalhos estão textos do artista sobre a própria produção. Oiticica sempre escreveu muito e encarava a palavra como parte fundamental da obra.

Hélio Oiticica – Museu é o mundo

Curadoria: Wagner Barja, Fernando Cocchiarale e César Oiticica Filho. Abertura hoje, às 20h, no Museu Nacional da República. Visitação até 20 de fevereiro, de terça a domingo, das 9h às 18h.

Parangolés

As bizarras e divertidas roupas para vestir e atuar são o ápice do exercício do que Oiticica chamava de teoria suprassensorial. Ou a “antiarte por excelência”. As roupas ativariam os sentidos, mas isso dependeria exclusivamente do público, convidado a dançar e se movimentar com os trajes. “É onde a dança encontra as artes plásticas”, repara César. Dispostos no mezanino do museu, os parangolés podem ser manuseados à vontade e lembram capas e estandartes.

Bólides

Oiticica cria os bólides quando sente necessidade de extrapolar a pintura e saltar para um espaço tridimensional. A interação com o público e a possibilidade de explorar sentidos e sensações o levam à fabricação de objetos instigantes. Em Bólide vidro 15 , o artista enche uma vasilha com sacos de pigmentos coloridos. Ele não quer mais representar a cor e sim mostrá-la. O Bólide apropriação convida o visitante a molhar as mãos ou o que quiser em bacias de água e o Bólide padiola, repleto de pedras, dificulta a tentativa de movimentação. Há outros nos quais a intenção é proporcionar experiências de cheiro e tato. “Os bólides são a corporificação da cor”, diz César.

Penetráveis

Nessas estruturas concebidas para que o público possa circular está concentrada boa parte da reflexão de Hélio Oiticica. “É onde ele inicia a participação do espectador na obra, que é a grande revolução do trabalho dele”, avisa César. A área central do museu foi ocupada por Éden e Tropicália. No primeiro o visitante circula por diversas estruturas em madeira e chão de areia. No segundo, um casal de papagaios divide um viveiro artificial. A obra foi proibida na exposição do Rio de Janeiro, mas, em Brasília, César acredita que não haverá problemas. “Esse museu é o único lugar no qual a gente consegue colocar uma quantidade grande de penetráveis. São mais de 10.”

Uma área ficou reservada para o Rhodislândia, um penetrável confeccionado com tecidos transparentes que dividem o espaço em nichos nos quais artistas da cidade poderão mostrar um trabalho próprio e dialogar com a obra do artista. A obra é interativa e o público é convidado a participar. Na área externa do museu, dois enormes penetráveis foram instalados para interagir com os pedestres. Em um deles, intitulado PN16, o visitante é convidado a falar sobre o nada após passar por corredores escuros.

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