José de Oliveira Ascensão, um dos principais especialistas sobre o tema no mundo,
diz que proteção das criações não é soberana ao direito à cultura
O Direito Autoral não pode ser um elemento desgarrado da ordem jurídica contemporânea. Foi com base nessa crítica que o professor José de Oliveira Ascensão, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, abriu as atividades do Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais, que segue em São Paulo até quinta-feira, 29 de abril. O encontro reúne especialistas do Brasil e de outros países para discutirem a digitalização de obras e acervos culturais como uma estratégia para ampliação do acesso à cultura.
No Brasil, a digitalização de acervos não pode ser discutida ao largo da Lei de Direitos Autorais. Isso porque essa última não permite nenhuma reprodução de obras sem a autorização do titular do direito, o que vai no caminho contrário tanto da criação de acervos em meio digital como da permissão de novos usos dessas obras.
Para Ascensão, há uma tensão natural entre o direito autoral e a cultura. Enquanto o primeiro se pauta em privilégios, o segundo se materializa a partir do diálogo e seu fomento trata de generalizar o acesso à cultura. O equilíbrio disso – de acordo com o advogado – é feito pela concertação entre os interesses do autor e da sociedade. Não se pode conviver com o autismo do direito autoral, como se fosse soberano em relação até mesmo à Constituição”, criticou ao falar do direito ao conhecimento e à cultura. O que não faz sentido, segundo ele, é deixar de digitalizar obras que, em grande parte, estão destinadas a se perder.
Economia
Atualmente, o direito autoral é uma mercadoria. É, inclusive, no âmbito internacional tratado pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Em seu relatório de 2009, a própria instância destacou que as regras do direito autoral devem ser mais uma base que um obstáculo para a criação.
Mas, na visão do catedrático, há um paradoxo nessa grande movimentação financeira: “O autor nem sempre ganha mais com a proteção”, disse o especialista português.
Sobre a digitalização especificamente, ele sugere uma compensação entre o que se gostaria de ganhar com o que se pode pagar pelas obras. O momento atual seria, então, o da transformação da cultura física para a digital. Ascensão indicou que formuladores de políticas e especialistas de todo o mundo atentem para o ‘Acordo Google’ como um caminho possível para essa mudança de paradigma.
O acerto entre o Google e a Author’s Guild viabiliza juridicamente a imediata disponibilização na Internet de todas as obras órfãs, as que continuam sujeitas ao regime de proteção autoral mas que seus titulares não são localizáveis. Trata-se do livre acesso a 75% do conteúdo que está sendo ou será digitalizado nas bibliotecas de todo o mundo.
Acompanhe o Simpósio sobre Acervos Digitais: culturadigital.br/simposioacervosdigitais.
(Texto: Ismália Afonso, Ascom SPC/MinC)
(Fotos: FLI Multimídia)
Participação do Leitor