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Mercedes Sosa, uma voz a favor da liberdade

O Globo, em 05/10/2009

Habitualmente de costas para a música de “nuestros hermanos” latino-americanos, o Brasil começou a despertar para a riqueza da voz de Mercedes Sosa em 1976, após um dueto da cantora argentina com Milton Nascimento. A faixa “Volver a los 17″, da compositora chilena Violeta Parra – de quem Mercedes foi uma das principais intérpretes -, virou um dos maiores destaques do hoje clássico álbum “Geraes”. A partir daí, a barreira da língua não mais impediu que brasileiros se apaixonassem pelo marcante timbre de contralto de Mercedes Sosa e por seu repertório, que incluía desde canções folclóricas a músicas de conteúdo político e social.

Os discos de Mercedes passaram a ser lançados regularmente no Brasil, e a cantora gravou novos encontros com artistas da MPB, como Fagner e Chico Buarque.

Em outubro do ano passado, aproveitando uma visita ao Rio para receber a ordem do mérito cultural, em cerimônia no teatro Municipal, Mercedes gravou com Caetano Veloso uma faixa que fez parte do disco de duetos dela, lançado este ano, com vários convidados, incluindo a colombiana Shakira, o uruguaio Jorge Drexler e a mexicana Julieta Venegas.

Nascida em Tucumán, em 9 de julho de 1935, Haydé Mercedes Sosa foi descoberta aos 15 anos ao participar de um concurso de uma rádio em sua cidade. Seu primeiro álbum, “La voz de la zafra”, foi lançado em 1962, com repertório calcado em canções folclóricas. Os dois seguintes, “Canciones con fundamento” (1965) e “Yo no canto por cantar” (1966), já em seus títulos deixavam claro o engajamento político de La Negra, apelido que ganhou devido aos longos e lisos cabelos negros.

Peronista na juventude, Mercedes se alinhou à esquerda a partir dos anos 1960 e foi apontada como “a voz da maioria silenciosa”, por sua defesa dos pobres e sua luta pela liberdade. Em 1979, perseguida pela ditadura militar argentina, ela se exilou na Europa, vivendo em Paris e Madri. Nos anos 90, foi opositora do presidente Carlos Menem e, depois, apoiou seu sucessor, Néstor Kirchner.

Independentemente das posições políticas, Mercedes merece ser ouvida por sua grande voz e seu repertório, em discos como “El grito de la tierra”, “Homenaje a Violeta Parra”, “Cantada sudamericana”, “Interpreta Atahualpa Yupanqui”, “Corazón americano” (com Milton Nascimento e León Gieco) e “Alta fidelidad” (com Charly García). Seu último disco, “Cantora, vol. 1″, teve três indicações ao Grammy Latino deste ano – que será anunciado no mês de novembro.

Mercedes Sosa faleceu na madrugada de ontem, vítima de problemas renais e hepáticos, aos 74 anos. Ela estava internada há 13 dias no Hospital La Trinidad, em Palermo, na capital argentina. O estado de saúde de Mercedes Sosa, que, no ano passado, dissera que cantaria “até o último de seus dias, como a cigarra”, agravou-se por complicações respiratórias e cardiovasculares.

A morte de Mercedes Sosa entristeceu não somente seus amigos e familiares, mas também políticos e intelectuais, além de parceiros musicais. Para o brasileiro Fagner, que gravou canções com Mercedes, ela deixou a lição de ser uma guerreira.

- Ela tinha importância fundamental na música da América Latina.

Nos momentos difíceis que passamos, ela virou a grande bandeira – disse ele, referindo-se à luta da cantora argentina contra os regimes ditatoriais de toda a América do Sul.

Ontem, milhares de pessoas participaram do velório, realizado no salão dos Pasos Perdidos do Congresso nacional argentino.

Após o meio-dia, os fãs de Mercedes formaram uma longa fila no local, levando cartas e flores para a cantora. “Obrigado Negra, pela luta e pelo canto”, dizia um dos cartazes levados por um de seus admiradores.

A presidente Cristina Kirchner, que nos últimos anos organizou shows de Mercedes na Casa Rosada, decidiu antecipar seu retorno da província de Santa Cruz, onde costuma descansar com sua família, para participar do velório. A presidente, que também convocou a cantora para o ato de comemoração de sua posse, em dezembro de 2007, decretou luto nacional pela morte de Mercedes Sosa. O ministro da cultura do Brasil, Juca Ferreira, irá ao velório, representando o governo Lula.

- Ela foi uma das mais importantes representantes da cultura argentina no mundo – declarou o ministro de cultura, Jorge Coscia.

Mercedes também foi homenageada pelos clubes de futebol que participaram ontem da sétima rodada do Campeonato Apertura. Antes de cada partida, jogadores e torcida permaneceram um minuto em silêncio. O corpo da cantora será cremado hoje no cemitério portenho de La Chacarita.

Suas cinzas serão espalhadas pelas províncias de Tucumán, sua terra natal; Mendoza, um de seus lugares preferidos da Argentina; e Buenos Aires, onde morava há muitos anos.

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