Ministério da Cultura Brasil
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011 RSS Cultura em Movimento Fale com o Ministério
« Voltar Imprimir

O cinema do copyleft

Leonardo Siqueira e Suellen Timm - Observatório da Imprensa

Reproduzido do Canal da Imprensa nº 82 (13/3/2008), revista eletrônica do curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista, Campus Engenheiro Coelho (SP).

Baixar filmes não é novidade para ninguém. A internet revolucionou a história do cinema. A discussão é tanta, que surgiu o Creative Commons, licenças que permitem aos detentores de copyright disponibilizar ao público a sua produção. Uma filosofia de copyleft. No entanto, seria essa mudança sensata? Baixar filmes é considerado crime ou pirataria? Ou seria uma forma de fazer com que mais pessoas tenham acesso a produção? Em entrevista ao Canal da Imprensa, o autor do livro Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias, Sérgio Branco, fala sobre as polêmicas questões que afetam o cinema.

***
De que maneira a internet mudou o rumo do cinema?

Sérgio Branco – As novas tecnologias democratizaram a produção, a distribuição e, conseqüentemente, o acesso a obras cinematográficas. Antes, apenas as produtoras de cinema tinham condições de fazer filmes, pois os equipamentos eram muito caros. Hoje, é bem mais barato, simples e fácil fazer um filme. A internet possibilita a distribuição de diversas obras que antes ficavam engavetadas e esquecidas. Além disso, permite o acesso e o compartilhamento de obras audiovisuais de uma forma jamais pensada. Também existe grande diversificação de temas e não estamos mais condenados a termos apenas acesso ao blockbuster.

O cinema brasileiro é tachado como inferior e de má qualidade. A que se deve isso?

S.B. – Acho que não é mais assim. O cinema tinha essa imagem em razão de boa parte dos filmes dos anos 70 e 80, quando era muito comum termos roteiros fracos, histórias simplórias, direção de elenco muitas vezes sofrível. Nos últimos anos, o cinema brasileiro deu um grande salto de qualidade inclusive na parte técnica. Filmes como Central do Brasil, Cidade de Deus, Tropa de Elite e Santiago vêm sendo reverenciados no mundo inteiro como obras de grande qualidade.

Como evitar a pirataria? Existe alguma medida adotada para isso? O que os especialistas dizem?

S.B. – As pessoas entendem a pirataria como um fenômeno isolado, mas essa é a pior forma de abordar o problema. A pirataria traz questões econômicas, sociais e culturais. Ainda não está provado que a pirataria pode acabar com a carreira de uma obra. Pelo contrário, vários são os exemplos de obras que foram muito bem sucedidas comercialmente após terem lícita (como o primeiro CD do Arctic Monkeys) ou ilicitamente (como Tropa de Elite) se tornado disponíveis ao público gratuitamente (no primeiro caso) ou a preços abaixo do mercado formal (no segundo).

Além disso, o grande problema hoje que a indústria cultural enfrenta é que seu modelo de negócios está baseado em práticas de meados do século passado. No entanto, com o advento da cultura digital nos últimos 10 ou 12 anos, tornou-se indispensável rever o modelo de negócios praticados. A indústria da música se deu conta disso tardiamente. Para a indústria do cinema, ainda há tempo. A mudança do modelo de negócio é um dos caminhos mais prováveis para a diminuição da pirataria.

De que forma a pirataria fortalece as pequenas produções haja vista a limitação de muitas iniciativas que não dispõem de recursos financeiros?

S.B. – Um dos grandes problemas do audiovisual é a distribuição – algumas vezes é esse problema muito maior do que a produção em si. As pessoas confundem pirataria com cópia privada e acesso. Devemos entender como pirataria a venda de filmes em camelôs com intuito de lucro, por exemplo. Mas isso é diferente de fazer cópia privada de uma obra (muitas vezes apenas para assisti-la em outra hora ou com fins educacionais, por exemplo) e bem diferente também do acesso. Há várias obras disponíveis na internet que simplesmente não podem ser acessadas de nenhuma outra forma. Há exemplos de filmes que não existem no Brasil em DVD, em VHS, em canais de TV a cabo nem de TV aberta. Então, não há motivo para esses filmes não serem acessados. A difusão de obras pela internet ajuda muito a distribuição de obras de autores mais jovens ou sem recursos e que de outra forma jamais seriam acessíveis ao grande público. A difusão também permite o acesso a obras raras, fora de circulação comercial. Além disso, permite o acesso a obras licitamente licenciadas por meio do Creative Commons.

O Creative Commons seria uma alternativa eficaz para “legalizar” a pirataria?

S.B. – O Creative Commons é um mecanismo de licenciamento segundo o qual o autor pode abrir mão de determinados direitos em favor da sociedade. É importante observarmos que é sempre o autor quem vai poder, originalmente, abrir mão desses direitos, e sempre na medida de sua vontade, sem que haja qualquer pessoa que o obrigue a licenciar sua obra. Uma vez que a obra está licenciada, pode ser acessada, baixada pela internet, gravada e distribuída gratuitamente sem qualquer problema. Claro que essa medida acaba por diminuir a cópia privada considerada ilícita, pois o autor autoriza a cópia da obra licenciada. O Creative Commons não é medida suficiente para acabar com a pirataria, pois o licenciamento da obra depende sempre da vontade do autor, mas é instrumento eficaz para fazer circular obras – audiovisuais ou não – pela internet sem que aja qualquer impedimento legal por parte de seus usuários.

Compartilhe:
  • Digg
  • del.icio.us
  • Facebook
  • Google Bookmarks
  • MySpace
  • TwitThis
  • email
  • LinkedIn

Participação do Leitor

max. 1000 caracteres